domingo, 19 de fevereiro de 2012

Mascaro-me


     Lembro-me bem daquela noite. E como é que poderia me esquecer? Na verdade, às vezes, eu faço questão de lembrar. Lembrar e relembrar, embora nem eu mesmo compreenda o porquê. Talvez, as lembranças isentem minha culpa, mas, afinal, culpa de quê? Que culpa eu posso ter se nem sei o que aconteceu? Bem sei do que não aconteceu...
     Senti-me só em meio à multidão e tudo o que levou anos para construir dentro de mim, evaporou-se, rapidamente, assim como o sal se evapora no mar. O problema, porém, era que eu não fazia mais parte desse mar: tornei-me sal perdido. Mas como?
     As pessoas alegres, pulando ao som da música e me empurrando de um lado para o outro: não me enxergavam, mas não deixavam de tocar em mim.
     Eu quis gritar. Berrar aos quatro cantos, qualquer coisa, soltar qualquer som, ruído ou gemido, talvez, eu quisesse chorar, no entanto, nem os meus soluços seriam ouvidos: ninguém ouve a voz que clama no deserto. Atravessei um deserto em mim e tornei-me desconhecido ou talvez, eu nunca o deixara de ser. Utopia!
     Aquela noite não parecia ter fim. Procurei recolher as forças caídas no chão e com muito esforço consegui dar alguns passos em frente. Eu não sabia para onde caminhar, sabia apenas que era preciso continuar e continuei a procurar.
     Por trás de cada máscara eu esperava te encontrar. Pois bem! Encontrei o seu sorriso, seu olhar, vi seus cabelos, senti o seu perfume, reconheci alguns de seus gestos e mesmo de longe, eu avistei o seu andar. Mas eram traços subdivididos. Você sempre se deu por completo e, agora, estou incompleto.
     A noite esfriou acompanhada de uma forte chuva. Todas as máscaras caíram e você não estava por de trás de nenhuma delas, a minha, porém, fiz questão de vestir, pois era triste de mais olhar para mim.
     Durante todas as noites, recolho-me no silêncio de meu quarto e no vazio de minha alma, então, coloco a máscara em minha cabeceira, é quando eu sou o que realmente sinto, já pela manhã, mascaro-me e vivo o meu dia, assim mesmo, a maneira que as pessoas querem me ver: o contrário do que você chegou a conhecer...

Marciele de Oliveira

Um comentário:

  1. Maravilhoso conto, minha amiga: guardada as devidas comparações, bem ao estilo de Clarice. E lembra-se de como me confessou que pensa em construir seu TCC em cima do olhar pejorativo de Clarice sobre as mulheres? Pois, acaba de usar do mesmo olhar para construir esse lindo conto. Parabéns, minha amiga! Adorei!

    Rodrigo Davel

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