domingo, 27 de novembro de 2011

Aluga-se anualmente

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          Ritinha sempre foi uma criança observadora e repleta de perguntas, que sua mãe pacientemente fazia questão de responder. Na escola, os professores viviam a elogiar sua atenção e participação ativa em sala de aula.
          Certo dia, Ritinha estava pintando na sala de sua casa, enquanto sua mãe estava na cozinha e sua irmã mais velha conversava com os amigos na varanda ao lado. Eles falavam tão alto que era impossível a atenciosa Ritinha não ouvir. Depois que todos saíram, a garotinha correu para cozinha e indagou sua mãe:
          _ Mamãe, por que é que as pessoas ficam tão ansiosas para a chegada do verão?
          Sem muito pensar, a mãe responde:
          _ Porque é a estação do ano em que as pessoas estão de férias, vão à praia, tomam banho de Sol e de mar, se divertem com a família...
          Ritinha logo interveio:
          _ Mas o pai do Juninho está sempre trabalhando no verão, aliás, é quando ele mais trabalha na sorveteria.
          _ É porque para alguns, minha filha, o verão é a época em que os lucros aumentam através dos turistas que visitam o nosso litoral.
          Ritinha pensa por um instante, mas não dá descanso:
          _ Mas mamãe, se o verão é a época tão esperada para se divertir com a família, porque é que a Raquel e os amigos dela, não passam um único dia na praia com seus familiares?
          A mãe parou por um instante o que estava fazendo, puxou uma cadeira onde acomodou sua filha, abaixou para igualar-se a ela e disse:
          _ Minha pequena curiosa, todos nós nos relacionamos com pessoas de diferentes idades, no entanto, assim como você que, por alguns momentos, prefere brincar com uma coleguinha de sua idade do que comigo, com o papai ou com a Raquel, a sua irmã também prefere estar ao lado dos seus amigos, porque ambos estão na mesma fase de vida, conhecendo o mundo e se descobrindo.
          _ Mas mamãe, como posso conhecer o mundo ao lado dos que ainda não o conhecem? Eu preciso de alguém que o apresente a mim, não preciso?
          A mãe sorriu e continuou a responder carinhosamente a filha caçula:
          _ Claro que precisa, minha linda. É por isso que, por mais que sua irmã se distancie um pouco, nós, o papai e a mamãe, estaremos sempre aqui esperando por ela a todo o momento em que se sentir perdida. São nessas horas que a gente orienta, contribui com os saberes que adquirimos em nossas experiências de vida e oferecemos apoio, carinho e muito amor. No mais, minha querida, são os próprios passos que irão ensinar, pois ninguém vive a experiência do outro, é preciso viver a sua, entende?
          _ Mais ou menos mamãe. Seria como se a senhora me dissesse que o seu pudim é delicioso, mas que eu só vou saber se provar?
          A mãe não conteve o sorriso e logo respondeu:
          _ Exatamente, minha querida. Mas não se preocupe, quando crescer um pouquinho mais, você começará a entender melhor.
          Ritinha se silenciou, como se estivesse tentando assimilar tudo o que acabou de ouvir, enquanto sua mãe voltava ao que estava fazendo na cozinha e, de repente, a garotinha voltou a indagar:
          _ Mamãe, tenho outra curiosidade: alguns amigos da Raquel, disseram que não podiam ter um relacionamento sério com suas “namoradinhas” porque o verão está próximo. Qual é o problema de namorar no verão?
          A mãe para novamente o que estava fazendo, se colocou diante da filha, desta vez, porém, permanecendo de pé e pensando bem antes de responder. Ritinha, por sua vez, permaneceu em silêncio aguardando a resposta de quem nunca a deixara na curiosidade. Sua mãe, então, respira fundo e responde como se tivesse o maior cuidado com as palavras, mas ainda paciente:
          _ Durante o verão, muitas pessoas novas visitam nossa cidade. Você mesma faz novas amizades com crianças de outras cidades, não faz?
          Ritinha acenou com a cabeça que sim.
          _ Pois então. Os jovens, em especial, não só ampliam o seu ciclo de amizade como também se descobrem ainda mais em seus novos amores, novas paixões, por isso, preferem estar solteiros para poder viver seus amores de verão.
          _ Mas e depois mamãe?
          _ Depois de que minha pequena?
          _ Depois que o verão acaba e todo mundo volta para suas cidades?
          A mãe pensou mais uma vez e em meio ao seu silêncio, a própria Ritinha se responde com mais perguntas:
          _ Depois fica a saudade mamãe? O vazio igual às casas que são alugadas apenas no verão?
          A mãe segura à mão da filha e diz:
          _ Ainda é muito cedo para minha pequenina pensar e se preocupar com esses assuntos, pois há coisas que somente com o tempo é que somos capazes de compreender.
          _ Será mamãe? Será que vou mesmo entender o porquê de tantas pessoas viverem em apenas uma estação do ano? Acho que prefiro um aluguel anual mamãe, assim, a casa permanecerá cheia e limpa, livre das traças, do vazio e da escuridão.
          A mãe nada mais respondeu. Ficou ali, apenas observando Ritinha que voltara para a sala e suas pinturas. 


Marciele de Oliveira

5 comentários:

  1. Marciele, minha amiga, maravilhoso conto: quanto ensinamento, não? A metáfora do aluguel é excelente!

    Abração, minha amiga,

    Rodrigo Davel

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  2. Parabéns pelo lindo texto. Faz nos certificarmos o quanto devemos viver cada estação, todos os dias, sem as traças e a escuridão.

    Abraços.
    Helio

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  3. Olá Marciele!!! Vi seu comentário lá no Em quantos, obrigada por ter passado por lá! Sim, como lá é um blog coletivo tem textos de várias pessoas, o Cacá, nosso crônista super fofo, tem um blog próprio:

    http://uaimundo.blogspot.com/

    Seja sempre bem vinda ao Em quantos!

    Ah, sobre a Ritinha, ela me lembrou eu mesma, minha mãe ficava louca com minhas perguntas, porque na infância essas questões me atormentavam, tenho uma vizinha que é assim também, a Julia, ela só faz perguntas complicas, é uma criança super intelectiva... O mundo é um lugar estranho... Sabe que eu nunca consegui lidar com amores de verão! Quando eu fizer um aluguel vai ser para o ano inteiro, não quero que as traças consumam a casa!

    Sim, espero ter entendido o que vc quis dizer! Cheros e muito prazer!

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  4. OLá , seja bem vinda !
    Fico feliz em saber que gostou do meu cantinho.Por isso então ,vim retribuir a visita e dizer que fico por aqui também .

    Ás vezes também vivo em uma só estação do ano , parece que as outras não me caem bem.Mas estou tentando me adaptar as outras (é preciso coragem), nem sempre o verão trás o desejado... e o castelo de areia se desmonta fácil,fácil .

    Um Beijo !

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  5. Lindo texto, Marciele!

    Viver a vida em pleno tendo sempre em atenção o que se passa à nossa volta e retirando daí ensinamentos...

    Vou ficar por aqui.

    Bj

    Olinda

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